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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cacarecos, Tiriricas e Políticos

Matéria transcrita da publicação Circus nº 198 que pode ser vista no original clicando-se aqui.
Sexta-feira, 17 de setembro de 2010 - Migalhas nº 2.473.
Tiririca para Presidente
"O vice-presidente do STF, ministro Ayres Britto, deferiu parcialmente a liminar na ADIn 4451, em que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) contesta dispositivos da Lei Eleitoral que impedem as emissoras de veicularem programas que venham a degradar ou ridicularizar candidatos nos três meses que antecedem as eleições."
Migalhas, 27/8/2010
Segundo o ministro Ayres Britto, do STF, a lei da Ficha Limpa, "cuidando-se de diploma exigido pelo art. 14, § 9º, da Carta Magna, para complementar o regime constitucional de inelegibilidades, à sua vigência imediata não se pode opor o art. 16 da mesma Constituição", é de manifesta constitucionalidade.
Dos jornais
"It has been said that democracy is the worst form of Government except all those other forms that have been tried from time to time."
Winston Churchill

Os que não são tão jovens talvez se lembrem de um episódio que ficou marcado na lembrança dos paulistanos. Apareceu no jardim zoológico da cidade, aí pelo fim dos anos 50, um animal que se tornou extremamente popular, muito embora não desse cambalhotas nem fizesse micagens. Era um simples e trivial rinoceronte, que uma consulta popular havia batizado de Cacareco.
Pois o Cacareco tornou-se atração turística e, nos fins de semana, bandos de crianças se acotovelavam diante da grade correspondente ao domicílio do animal apenas para vê-lo mastigar sua comida, não me constando que fizesse algo mais do que isso para justificar sua popularidade. E essa popularidade era tamanha que, havendo um gaiato lançado o nome do animal para vereador, foi ele eleito por expressiva maioria. Infelizmente, a Justiça Eleitoral, presa, como sempre, a formalismos e preconceitos, recusou-se a dar-lhe posse, esquecida de que outro quadrúpede (clique aqui) já havia ocupado assento no senado romano. E eles ainda não tinham lá o Berlusconi na chefia do governo.
Aliás, não era raro que eleitores escrevessem na cédula alguma frase de protesto, o que levou a sempre atenta Justiça Eleitoral a proibir sua divulgação. Como sempre, ataca-se o efeito e não a causa.
Caíram alguns grãos de areia nas ampulhetas políticas e cá estamos às voltas com mais uma eleição. E aí estão, pedindo o seu, o meu, o nosso voto, figuras que deveriam ter sido banidas há muitíssimo tempo da vida pública e mandadas de volta para a privada. Que fizeram de útil para a sociedade para se atreverem a isso? Vi uma faixa com o nome de um candidato que já faleceu há alguns anos. Como pode? Nos "santinhos" distribuídos junto aos semáforos descubro, pela fotografia, que é o filho do de cujus, que, malandramente, omite o Júnior nas tais faixas. Aliás, a utilização de nomes alheios e famosos é uma tradição em nossas eleições, o que mostra o tipo de políticos que temos. Se fazem isso às claras, que farão nos desvãos de Brasília?
Felizmente também aparecem nomes novos, ou não tão novos assim, mas ainda jejunos na arte de enganar eleitores. Aqui é um ex-jogador de futebol, ali um cantor popular, mais adiante uma vedete, mais acolá um comediante. E assim vai.
A outrora chamada elite social torce o nariz a isso, clamando por reformas legislativas que impeçam essas figuras bizarras de concorrerem com personagens insignes de nossa vida pública como os Barbalhos, os Malufes, os Sarneys, os Calheiros, os Arrudas e tantos outros que, esses sim, são políticos profissionais, frequentando com assiduidade as páginas dos jornais. Quando não aparecem algemados na televisão.
Essa mesma elite não engoliu até hoje o fato de um mero torneiro mecânico candidatar-se reiteradamente à Presidência da República e, fosse por fastio do eleitorado, fosse por ter ele número suficiente de admiradores, conseguir eleger-se, reeleger-se e chegar ao fim do mandato com cerca de 80% de aprovação popular, algo raríssimo em qualquer país democrático do mundo. Isso quando Barack Obama não chega aos 50%.
Um dos candidatos por São Paulo para a Câmara Federal é o palhaço Tiririca, cujo slogan é significativo: "Você sabe pra que serve deputado federal? Eu não." Mais direto impossível. A julgar pelo comportamento ativo de certos congressistas e pelo comportamento passivo da maioria deles, um congressista é alguém que se arvora em sócio da Fazenda Pública, utilizando de todo tipo de expediente para engrossar suas contas bancárias.
O que leva alguém, ainda que palhaço de circo, a valer-se de um apelido desses que, como sabemos, designa uma erva daninha, terror dos bons jardineiros, pois contamina os gramados da mesma forma como certos políticos contaminam o Congresso Nacional? O fato é que essa mesma palavra, agora como adjetivo, era utilizada para designar um estado de enorme irritação. "Fulano ficou tiririca com o que lhe aconteceu!" Hoje, com a liberação geral dos calões, se diria que "fulano ficou puto da vida com o que lhe aconteceu!"
É inteiramente possível que para muitos a tal candidatura seja apenas e tão somente um rematado deboche, um desserviço prestado ao aperfeiçoamento de nossa decepcionante democracia. Que poderá produzir de útil alguém tão despreparado? Como todos nós sabemos o que os portadores de "fichas sujas" têm aprontado ao longo dos anos, com a aquiescência de seus fiéis seguidores e a passividade de seus colegas, é difícil imaginar que um palhaço de circo, uma corista ou um ex-jogador de futebol venham a causar dano semelhante a todos nós, que mantemos com nossos impostos aqueles que certo candidato a Presidente da República chamou de "300 picaretas".
Como quer que seja, a presença do tal personagem circense no Congresso servirá, quando menos, para alertar os congressistas de que todos nós, putos da vida com a péssima qualidade de nossos homens públicos, estamos cansados de bancar palhaços.
Por enquanto, nosso protesto é feito pacificamente.
Até quando?

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