Enviado por luisnassif, qua, 08/05/2013 - 10:20
Por Pedro Saraiva
Olá Nassif, sou médico e gostaria de opinar sobre a gritaria em relação à vinda dos médicos cubanos ao Brasil
Bom,
como opinião inteligente se constrói com o contraditório, vou tentar
levantar aqui algumas informações sobre a vinda de médicos cubanos para
regiões pobres do Brasil que ainda não vi serem abordadas.
-
O principal motivo de reclamação dos médicos, da imprensa e do CFM
seria uma suposta validação automática dos diplomas destes médicos
cubanos, coisa que em momento algum foi afirmado por qualquer membro do
governo. Pelo contrário, o próprio ministro da saúde, Antônio Padilha,
já disse que concorda que a contratação de médicos estrangeiros deve
seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissional. Portanto,
o governo não anunciou que trará médicos cubanos indiscriminadamente
para o país. Isto é uma interpretação desonesta.
- Acho
estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e
espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será
que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma? Sou médico e
vivo em Portugal, posso garantir que nos últimos anos conheci médicos
portugueses e espanhóis que tinham nível técnico de sofrível para
terrível. E olha que segundo a OMS, Espanha e Portugal têm,
respectivamente, o 6º e o 11º melhores sistemas de saúde do mundo (não
tarda a Troika dar um jeito nesse excesso de qualidade). Profissional
ruim há em todos os lugares e profissões. Do jeito que o discurso está
focado nos médicos de Cuba, parece que o
problema real não é bem a revalidação do diploma, mas sim puro
preconceito.
- Portugal
já importa médicos cubanos desde 2009. Aqui também há dificuldade de
convencer os médicos a ir trabalhar em regiões mais longínquos,
afastadas dos grandes centros. Os cubanos vieram estimulados pelo
governo, fizeram prova e foram aprovados em grande maioria (mais à
frente vou dar maiores detalhes deste fato). A população aprovou a vinda
dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português
renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes. Portanto, um dos
países com melhores resultados na área de saúde do mundo importa médicos
cubanos e a população aprova o seu trabalho.
- Acho
que é ponto pacífico para todos que médicos estrangeiro tenham que ser
submetidos a provas aí no Brasil. Não faz sentido importar profissionais
de baixa qualidade. Como já disse, o próprio ministro da saúde diz
concordar com isso. Eu mesmo fui submetido a 5 provas aqui em Portugal
para poder validar meu título de especialista. As minhas provas foram
voltadas a testar meus conhecimentos na área em que iria atuar, que no
caso é Nefrologia. Os cubanos que vieram trabalhar em Medicina de
família também foram submetidos a provas, para que o governo tivesse o
mínimo de controle sobre a sua qualidade.
Pois
bem, na última leva, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram
aprovados (73,3%). Fui procurar dados sobre o Revalida, exame brasileiro
para médicos estrangeiros e descobri que no ano de 2012, de 182 médicos
cubanos inscritos, apenas 20 foram aprovados (10,9%). Há algo de
estranho em tamanha dissociação. Será que estamos avaliando corretamente
os médicos estrangeiros?
Seria
bem interessante que nossos médicos se submetessem a este exame ao
final do curso de medicina. Não seria justo que os médicos
brasileiros também só fossem autorizados a exercer medicina se passassem
no Valida? Se a preocupação é com a qualidade do profissional que vai
ser lançado no mercado de trabalho, o que importa se ele foi formado no
Brasil, em Cuba ou China ? O CFM se diz tão preocupado com a qualidade
do médico cubano, mas não faz nada contra o grande negócio que se
tornaram as faculdades caça-níqueis de Medicina. No Brasil existe um
exército de médicos de qualidade pavorosa. Gente que não sabe a
diferença entre esôfago e traqueia,
como eu já pude bem atestar. Porque tanto temor em relação à qualidade
dos estrangeiros e tanta complacência com os brasileiros?
-
Em relação este exame de validação do diploma para estrangeiros abro um
parêntesis para contar uma situação que presenciei quando ainda era
acadêmico de medicina, lá no Hospital do Fundão da UFRJ.
Um
rapaz, se não me engano brasileiro, tinha feito seu curso de medicina
na Bolívia e havia retornado ao país para exercer sua profissão. Como
era de se esperar, o rapaz foi submetido a um exame, que eu acredito ser
o Revalida (na época realmente não procurei me informar). O fato é que a
prova prática foi na enfermaria que eu estava estagiando e por isso
pude acompanhar parte da avaliação. Dois fatos me chamaram a atenção, o
primeiro é a grande má vontade dos componentes da banca com o candidato.
Não tenho dúvidas que ele já havia sido prejulgado antes da prova ter
sido iniciada. Outro fato foi o tipo de perguntas que fizeram. Lembro
bem que as
perguntas feitas para o rapaz eram bem mais difíceis que aquelas que
nos faziam nas nossas provam. Lembro deles terem pedidos informações
sobre detalhes anatômicos do pescoço que só interessam a cirurgiões de
cabeça e pescoço. O sujeito que vai ser médico de família, não tem que
saber todos os nervos e vasos que passam ao lado da laringe e da
tireoide. O cara tem que saber tratar diarreia, verminose, hipertensão,
diabetes e colesterol alto. Soube dias depois que o rapaz tinha sido
reprovado.
Não
sei se todas as provas do Revalida são assim, pois só assisti a uma, e
mesmo assim parcialmente. Mas é muito estranho os médicos cubanos terem
alta taxa de aprovação em Portugal e pouquíssimos passarem no Brasil.
Outro número que chama a atenção é o fato de mais de 10% dos médicos em
atividade em Portugal serem estrangeiros. Na Inglaterra são 40%. No
Brasil esse número é menor que 1%. E vou logo avisando, meu salário aqui não é maior do que dos meus colegas que ficaram no Brasil.
- Até
agora não vi nem o CFM nem a imprensa irem lá nas áreas mais carentes
do Brasil perguntar o que a população sem acesso à saúde acha de virem
6000 médicos cubanos para atendê-los. Será que é melhor ficar sem médico
do que ter médicos cubanos? É o óbvio ululante que o ideal seria criar
condições para que médicos brasileiros se sentissem estimulados a ir
trabalhar no interior. Mas em um país das dimensões do Brasil e com a
responsabilidade de tocar a medicina básica pulverizada nas mãos de
centenas de prefeitos, isso não vai ocorrer de uma hora para outra. Na
verdade, o governo até lançou nos últimos anos o Programa de Valorização
do Profissional da Atenção
Básica (Provab), que oferece salários mensais de R$ 8 mil e pontos na
progressão de carreira para os médicos que vão para as periferias. O
problema é que até hoje só 4 mil médicos aceitaram participar do
programa. Não é só salário, faltam condições de trabalho. O que fazemos
então? vamos pedir para os mais pobres aguentar mais alguns anos até
alguém conseguir transformar o SUS naquilo que todos desejam? Vira lá
para a criança com diarreia ou para a mãe grávida sem pré-natal e diz
para ela segurar as pontas sem médico, porque os médicos do sul e
sudeste do Brasil, que não querem ir para o interior, acham que essa
história de trazer médico cubano vai desvalorizar a medicina do Brasil.
-
É bom lembrar que Cuba exporta médicos para mais de 70 países. Os
cubanos estão acostumados e aceitam trabalhar em condições muito
inferiores. Aliás, é nisso que eles são bons. Eles fazem medicina
preventiva em massa, que é muito mais barata, e com grandes resultados.
Durante o terremoto do Haiti, quem evitou uma catástrofe ainda maior
foram os médicos cubanos. Em poucas semanas os médicos dos países ricos
deram no pé e deixaram centenas de milhares de pessoas sem auxílio
médico. Se não fosse Cuba e seus médicos, haveria uma tragédia
humanitária de proporções dantescas. Até o New England Journal of
Medicine, a revista mais respeitada de medicina do
mundo, fez há poucos meses um artigo sobre a medicina em Cuba. O
destaque vai exatamente para a capacidade do país em fazer medicina de
qualidade com recursos baixíssimos (http://www.nejm.org/doi/full/ 10.1056/NEJMp1215226).
- Com
muito menos recursos, a medicina de Cuba dá um banho em resultados na
medicina brasileira. É no mínimo uma grande arrogância achar que os
médicos cubanos não estão preparados para praticar medicina básica aqui
no Brasil. O CFM diz que a medicina de Cuba é de má qualidade, mas não
explica por que a saúde dos cubanos, como muito menos recursos
tecnológicos e com uma suposta inferioridade qualitativa, tem índices de
saúde infinitamente melhores que a do Brasil e semelhantes à avançada
medicina americana (dados da OMS).
- Agora,
ninguém tem que ir cobrar do médico cubano que ele saiba fazer cirurgia
de válvula cardíaca ou que seja mestre em dar laudos de ressonância
magnética. Eles não vêm para cá para trabalhar em medicina nuclear ou
para fazer hemodiálises nos pacientes. Medicina altamente tecnológica e
ultra especializada não diminui mortalidade infantil, não diminui
mortalidade materna, não previne verminose, não conscientiza a população
em relação a cuidados de saúde, não trata diarreia de criança, não
aumenta cobertura vacinal, nem atua na área de prevenção. É isso que
parece não entrar na cabeça de médicos que são formados para serem
superespecialistas, de forma a suprir
a necessidade uma medicina privada e altamente tecnológica. Atenção! O
governo que trazer médicos para tratar diarreia e desidratação! Não é
preciso grande estrutura para fazer o mínimo. Essa população mais pobre não tem o mínimo!
Que
venham os médicos cubanos, que eles façam o Revalida, mas que eles
sejam avaliados em relação àquilo que se espera deles. Se os médicos
ricos do sul maravilha não querem ir para o interior, que continuem
lutando por melhores condições de trabalho, que cobrem dos governos em
todas as esferas, não só da Federal, melhores condições de carreia, mas
que ao menos se sensibilizem com aqueles que não podem esperar anos pela mudança do sistema, e aceitem de bom grado os colegas estrangeiros que se dispõe a vir aqui salvar vidas.
Infelizmente
até a classe médica aderiu ao ativismo de Facebook. O cara lê a Veja ou
O Globo, se revolta com o governo, vai no Facebook, repete meia dúzia
de clichês ou frases feitas e sente que já exerceu sua cidadania.
Enquanto isso, a população carente, que nem sabe o que é Facebook morre
à mingua, sem atendimento médico brasileiro ou cubano.
2 comentários:
O que o amigo está sugerindo é a banalização da atividade médica! Não entro no mérito da qualidade desses médicos e nem na característica eminentemente politica/populista que vejo nessa ação do governo.
Mas questionar a prova de revalidação de diploma é o mesmo que questionar a prova da OAB para advogados. Prova é sim o método mundial para definir se há ou não mérito em um individuo e na sua formação. Quanto a dizer que esses médicos vêm suprir uma demanda que os "médicos do sul e sudeste" não querem realizar é no mínimo ingenuidade ou desconhecimento. Moro no nordeste do país, já trabalhei alguns bons anos na medicina comunitária no interior (tenho conhecimento de causa) e o que se vê é subempregos, péssimas condições de trabalho e desrespeito ao profissional em inumeráveis aspectos que caberiam um livro!! Dizer que esses médicos viriam cobrir uma demanda ignorada pelos médicos formados aqui é se omitir diante do desrespeito dos setores políticos as necessidades de condições dignas de trabalho. É abrir precedente a uma escravização desses médicos que sofrerão sim assedio moral para desenvolverem um trabalho muito longe daquele previsto no nosso rígido código de ética. Não é solução trazer milhares de médicos que por conta da pobreza de seus locais são fragilizados a se submeterem a subempregos. Já vi vários exemplos, conheci cubanos e "peruvianos" que aceitam trabalhar em condições indignas. Não imputo a eles a culpa disso, mas ao Estado que fragiliza o médico e ignora suas próprias obrigações!
Eu também conheço do assunto. Não do ponto de vista do médico, mas do paciente e do gestor público. Os médicos brasileiros, em regra (ou seja, excetuando o que deve ser excetuado), não querem trabalhar na medicina de família. Na minha região (e não apenas na minha cidade) os médicos estão impondo o salário que querem ganhar (cerca de R$ 18.000,00 por mês), e os dias e horas que querem trabalhar e o número máximo de pacientes que atenderão por dia (algo em torno de 8). Assinam contrato de 40 horas e querem trabalhar 12 ou 15.
Você, Luis Lins, está sendo desonesto ao dizer que tem alguém propugnando pela não aplicação das provas. O governo não está fazendo isso e o autor que você critica não está fazendo isso. Ele insiste que a prova deve ser aplicada, mas em temas PERTINENTES.
Eu vou mais longe: penso que a prova deve ser aplicada aos estrangeiros e TAMBÉM aos brasileiros. Por que não?
Provavelmente veríamos acontecer com os médicos o mesmo que vemos acontecer com os advogados: 80 ou 90% seriam reprovados.
Por que só testar os estrangeiros? Os médicos mal formados no Brasil não fazem igual mal à população?
Que cada um defenda seu ponto de vista, mas com coerência, consistência e honestidade. O que você, Luiz Lins, disse é desonesto, incoerente e inconsistente.
Postar um comentário