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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Morreu D. Helena Greco

D. Helena Greco nasceu em Abaeté, pequena cidade do oeste de Minas, a 15 de junho de 1916, de pai italiano (Antônio Greco) e mãe mineira (Josefina Álvares Greco). Sua primeira transgressão foi a leitura dos clássicos quando ainda vigorava o index librorum proibitorum. Adquiriu formação humanista e se manteve agnóstica em pleno internato dominicano. Este gosto pelos clássicos e o prazer da leitura ela carregou a vida inteira, juntamente com uma cinefilia exacerbada. Talvez tenha sido esta a fonte onde ela hauriu para depois desenvolver a peculiar capacidade de indignação, sua característica mais marcante.

Ela é farmacêutica de formação - embora nunca tenha exercido formalmente a profissão - milita no seu sindicato e se sente muito honrada de ter uma sala no Conselho Regional de Farmácia com o seu nome. Foi casada durante sessenta e quatro anos com o saudoso Dr. José Bartolomeu Greco (falecido a 6 de janeiro de 2002), seu companheiro da vida inteira – tem três filhos (Marília, Heloisa e Dirceu) e três netos (Helena, Júlia e Gustavo).

Começou a militar aos sessenta e um anos de idade , em 1977, e não parou mais. Sua participação política, reconhecida nacional e internacionalmente, tem como marco a gloriosa luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, da qual ela se tornou praticamente sinônimo. Foi presidente e fundadora do Movimento Feminino pela Anistia/MG (1977) e do Comitê Brasileiro de Anistia/MG (1978); ajudou a construir e foi membro do Comitê Executivo Nacional/CEN destas entidades. Foi ainda a representante do Brasil no Congresso pela Anistia do Brasil em Roma, em junho/1979.

Ao longo de toda a sua trajetória, D. Helena imprimiu a sua marca de radicalidade e politização – o que passou a ser a sua marca registrada - sempre a partir da combinação luta contra a ditadura/ luta feminina e feminista. Sob sua direção, o 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, passou a ser comemorado publicamente em Belo Horizonte (1978) na perspectiva da luta pela superação da discriminação, do preconceito, da violência, da brutal desigualdade de gênero – sistêmica nesta sociedade tão arraigadamente patriarcal e machista, de um lado, e tão exploradora e opressora, de outro. Também sob sua direção e ainda em 1978, instituiu-se a contra-comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos – então fazendo trinta anos – na perspectiva da luta contra a ditadura militar.

Sua luta contra a ditadura se desdobrou na luta contra todas as formas de opressão cujo lado afirmativo é a luta pela construção do binômio Direitos Humanos/Cidadania. D. Helena exerceu dois mandatos como vereadora de Belo Horizonte pelo Partido dos Trabalhadores (1983-2002), do qual foi fundadora, sempre no marco – hoje drasticamente aniquilado - de um partido independente, classista e socialista na adversidade de uma sociedade de classes selvagemente opressora e excludente. D. Helena sempre criticou e combateu o burocratismo, o autoritarismo e o direitismo que hoje prosperam sem limites no partido que ajudou a construir, que é ainda o partido do seu coração.

Também no espaço eminentemente instituído e reacionário da Câmara Municipal onde, naquele momento – estamos em 1983 - só havia duas vereadoras (a outra era D. Maria Toffani), ela deixou impressa sua marca registrada: idealizou, conseguiu fazer aprovar e implementou a Comissão Permanente de Direitos Humanos – a primeira do gênero no Brasil - cujo programa político se bifurcava na luta contra a opressão e a exploração dos trabalhadores e do povo e na luta contra a discriminação e desigualdade de gênero. Tudo isto ainda durante a ditadura militar.

Foi também D. Helena que idealizou o primeiro órgão executivo, no Brasil, voltado exclusivamente para a questão dos direitos humanos - a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte - na administração da Frente BH Popular (2003-2006). A CDHC acabou por se constituir referência para várias outras criadas posteriormente Brasil adentro e afora. A partir destes instrumentos, aprofundou a luta contra a violência policial e institucional e pelo direito à verdade e à memória da resistência contra a ditadura militar. Para ela, os pontos programáticos da luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita continuam valendo: a erradicação da tortura; o esclarecimento circunstanciado dos crimes da ditadura militar; a localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos; a nomeação responsabilização e punição dos torturadores e assassinos de presos políticos, bem como daqueles que perpetram os mesmos crimes nos dias de hoje. Tornou-se referência de luta contra a tortura, que continua a ser uma das instituições mais sólidas no Brasil – junto com a Rede Globo e o latifúndio – e contra a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, o encarceramento em massa e o genocídio da nossa juventude negra.

D. Helena sempre atuou na perspectiva do instituinte, da amplificação da política. O seu espaço de atuação, por excelência, é a polis, a agora, não a estreiteza do espaço institucional. Ela fundou o Movimento Tortura Nunca Mais/MG, em 1987. Em 1995, foi idealizadora e uma das coordenadoras do Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte que, então, conseguiu articular cerca de trinta entidades e movimentos voltados, direta ou indiretamente, para a defesa dos direitos humanos. Ainda em maio/1995 recebeu o prêmio Chico Mendes de Resistência, motivo de tanto orgulho e da maior alegria para ela.

D. Helena foi uma das fundadoras da Associação Cultural José Marti, da qual foi a primeira presidente. Sua militância aí se deu no bojo da luta pelo reatamento das relações diplomáticas Brasil – Cuba. Foi ela que assinou, em Havana, o pacto de amizade no Instituto Cubano de Amizade com os povos, em setembro de 1987.

D. Helena tornou-se também referência de luta feminista. Em dezembro de 1993, dia Internacional dos Direitos Humanos, por sua iniciativa, tomou posse na Prefeitura de Belo Horizonte a Comissão Paritária de Mulheres, composta por seis representantes da Administração Municipal (CDHC/PBH, secretarias de Educação, Cultura, Saúde, Governo e Desenvolvimento Social) e seis representantes do movimento de mulheres (MUSA, Coletivo de Mulheres Negras, NEPEM, GRAAL, Movimento Popular da Mulher e Pastoral da Mulher Marginalizada). Seu objetivo era a discussão de políticas públicas para a mulher priorizando a construção de uma Casa Abrigo para mulheres em situação de violência, por se tratar de reivindicação histórica dos movimentos femininos e feministas, a partir da assustadora escalada da violência de gênero na cidade. Em 1996, a Comissão Paritária de Mulheres evoluiu para o Conselho Municipal da Mulher, regulamentado em decreto pelo Executivo Municipal em janeiro e instalado em março. Neste trecho de seu agradecimento pela homenagem recebida por ocasião do Dia Internacional das Mulheres (março/1999) no Bairro 1º de Maio, reduto operário de Belo Horizonte, ela define o que entende por “verdadeira luta feminista”:

“... é aquela que procura erradicar tudo o que significa subordinação, discriminação, preconceito, relações de violência e discriminação de gênero, o que compreende o combate a todas as formas de opressão. Esta luta compreende também o esforço de reverter o aviltamento das relações de convivência, resgatando a solidariedade como valor; e [reverter também] a construção desta ‘ausência de pensamento’ que parece levar todo mundo a pensar – ou não pensar – do mesmo jeito o tempo todo: temos que discriminalizar o dissenso e resgatar a criticidade, a rebeldia e a capacidade de indignação como virtudes contemporâneas”.

Muito difícil concluir este breve relato da trajetória de D. Helena Greco. Melhor, neste caso, transcrever mais uma vez suas próprias palavras, sempre tão expressivas, como este pequeno trecho do discurso feito por ela ao receber o título de cidadania honorária na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em 28 de agosto de 1998, projeto do então vereador Rogério Correa (PT):

“[Quero] reafirmar o imperativo de continuarmos firmes na construção do projeto alternativo à situação de barbárie que estamos vivendo: este projeto significa exercício pleno da cidadania, significa, sobretudo socialismo! ‘É no socialismo redefinido de acordo com sua essência que se corporifica a restauração da capacidade dos seres humanos de intervir construtivamente na natureza, na civilização e na perenidade da vida’ – diria, com certeza o nosso saudoso Florestan Fernandes se estivesse aqui conosco. Resta, portanto, longo caminho a percorrer.”
Mais expressivas ainda são as palavras de Gustavo, o neto mais velho, ao se pronunciar nesta mesma ocasião, falando pela terceira geração – ele tinha então 24 anos de idade. Assim ele descreveu a ‘vovó Helena”:

“Lembro também do meu encanto ao ver a vovó tocando piano. Um belo piano de acuda preto (...). E ela tocava sempre que eu pedia. Nesta mesma sala conheci Bach, Beethoven, Mozart, principalmente Mozart. Aos cinco anos eu já assoviava algumas de suas composições. (...) Uma coisa é certa: o nome dela não passa em branco. Uma mulher que, em 1937, formou-se na Faculdade de Farmácia pela UFMg, aprendeu a falar quatro línguas e, aos sesenta e um anos, resolveu enfrentar uma jornada política me fez enxergar as mulheres de outra forma. Primeiro por encarar esta questão de gênero de maneira igualitária. Homens e mulheres caminham lado a lado, nem um passo atrás, nem à frente. Em segundo lugar e o mais importante: não existe a hora certa de dar uma guinada na vida, nunca é tarde para começão e, acima de tudo, questionar. Aprendo que qualquer um pode ser tudo aquilo que quer e nunca deve deixar de lado a utopia, por mais difícil que possa parecer. Para terminar, repito suas palavras: ‘A única coisa que não podemos perder nunca é nossa capacidade de indignar. É isso que impulsiona as mudanças’. Vó, parabéns! Amamos muito você!”.

Em 2005, D. Helena Greco foi uma das cinquenta e duas brasileiras (duas mineiras, ela e Fátima de Oliveira) que integraram a lista do Projeto Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz, iniciativa da Fundação Suíça pela Paz e Associação Mil Mulheres. Hoje, do alto de seus noventa e quatro anos de idade incompletos ela continua se reivindicando – com muito orgulho - “feminista radical e militante socialista.

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