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terça-feira, 21 de junho de 2022

Urnas Eletrônicas São Seguras

Chegam as eleições e com elas reafloram as lendas urbanas, as teorias da conspiração e as mentiras puras e simples ligadas ao tema. Uma que ressurge e ganha força a cada dois anos é a da suposta insegurança das urnas eletrônicas. Interessante é que só se preocupam com tal suposta insegurança os perdedores confirmados e os perdedores em perspectiva. Nunca vimos um político vitorioso dizer que as urnas são fraudadas. É sintomático. Mas a verdade é que o Brasil nunca teve um sistema eleitoral tão seguro quanto o atual. As urnas eletrônicas não são absolutamente invioláveis, mas são o método mais democrático e mais seguro que o Brasil e o mundo já conheceram.

As urnas eletrônicas representam o maior avanço da democracia brasileira quando o assunto é evitar fraudes. Não se pode garantir que nunca serão fraudadas, é certo que até não foram. Não só não foram como eliminaram muitas fraudes tradicionais.

A história da humanidade mostra uma luta permanente entre aqueles que lutam contra as fraudes e aqueles que tentam fraudar. Por isto foram inventadas as trancas, as correntes, os cadeados, os cofres, as chaves. Com eles vieram os métodos para abrir, destrancar, arrombar.

Entre os métodos de quebra de segurança está a corrupção representada pela compra de traidores. Um exemplo clássico foi dado por Felipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. Ele dominou a Grécia inteira. Quando perguntado por que muitas cidades haviam caído sem que ele tivesse que usar seus exércitos, respondeu: “não há fortaleza que resista à entrada de burro carregado de ouro”.

Ou seja, ele pagava aos protetores das muralhas para que eles mesmos abrissem as portas. Desta forma venceu dezenas de inimigos sem ter que recorrer ao seu poderoso exército.

Tentativa e erro, força bruta, engenharia social, espionagem, corrupção… todos estes métodos, em tese, podem ser usados para, em algum momento, fraudar as urnas eleitorais brasileiras. No entanto, até hoje ninguém apresentou nenhum indício convincente de que isto possa ter acontecido.

Bico de Pena, Marmita, Pé de Botina, Dentadura

Quem ataca as urnas eletrônicas costuma dizer que bom é o voto em papel. São pessoas ignorantes que não conhecem a história eleitoral brasileira. Entre nós, a fraude à democracia foi uma constante. A começar pela escolha dos eleitores. No início só podiam votar homens ricos. Portanto, ficavam de fora os escravos, os pobres, os jovens, as mulheres. Por conseguinte, não se tratava de uma democracia, mas de uma plutocracia servida por oligarquias regionais e locais, representadas pelos coronéis.

Mais tarde o direito de voto foi estendido às mulheres e aos pobres. Desde que soubessem ler e escrever. Como a população brasileira era composta de analfabetos e as mulheres eram pouco escolarizadas, as coisas pouco mudaram.

Seja como for, o direito ao voto foi se ampliando ao longo dos tempos. Mas isto não significa que a vontade expressa nas urnas era pura, imaculada e respeitada. Na verdade, não era. As fraudes eram muitas e variadas. Havia o voto de cabresto, o voto de marmita e o famoso bico de pena.

Na prática, quem decidia as eleições brasileiras eram os coronéis – os oligarcas locais. Eles tinham o poder e a força para aliciar, comprar e coagir eleitores. Muitos nem deixavam o eleitor chegar às urnas. O próprio coronel ou seus paus mandados votavam em nome dos eleitores.

Caso estes métodos não fossem suficientes, vinha o famoso “bico de pena”. Neste caso, os mesários, sempre a mando dos coronéis, desprezavam o conteúdo das urnas e faziam as atas atestando a contagem dos votos e indicando os vencedores apontados pelos coronéis.

A Constituição de 1988 tornou o voto verdadeiramente universal. No entanto, as fraudes não cessaram. Continuaram valendo a maioria dos truques de sempre. A compra pura e simples de voto mediante pagamento com saco de cimento, tijolo, botina e dentadura continuou florescendo.

Também continuou valendo o voto dos mortos que, em anos eleitores, saiam de suas covas para comparecer às urnas.

Como se vê, a história do voto no Brasil é a história da fraude eleitoral. O voto impresso nunca evitou isto. Ao contrário, foi sempre um veículo adequado para quem queria roubar. Portanto, é miopia histórica acreditar que o voto impresso é seguro e as urnas eletrônicas são inseguras. Com os primeiros sempre houve fraude comprovada; com as urnas eletrônicas, até hoje nenhuma fraude foi demonstrada.

A fraude contra Brizola

Em 1982 Brizola disputou com Moreira Franco o cargo de governador do Rio de Janeiro. Como sempre, o voto era no papel e a apuração era manual. No entanto, pela primeira vez a totalização foi feita por computadores. No Rio o TRE, numa manobra suspeita, contratou uma empresa privada para fazer a totalização. Fundada e operada por oficiais do regime militar, a missão dada à Proconsult foi impedir a eleição de Brizola.

Neste sistema, o TRE passava os boletins de urna e a empresa os totalizava. Neste ponto introduziram um pequeno truque: ao totalizar, o computador tirava alguns votos brancos e nulos e os somava aos de Moreira Franco. Desta forma Brizola ficava com seus votos, mas os de Moreira Franco eram engordados com uma percentagem dos brancos e nulos.

A fraude foi descoberta logo porque havia sistemas paralelos de totalização. Os mais importantes foram desenvolvidos pelo PDT – partido de Brizola – e pela Rádio Jornal do Brasil, que divulgava boletins da contagem a cada tantos minutos. Com poucas centenas de urnas apuradas ficou claro que a contagem da Proconsult estava errada.

Por causa da discrepância sistemática, imprensa e partidos entraram botaram a boca no trombone. A situação ficou insustentável para a Proconsult e para o TRE. Foi quando o Tenente-Coronel Haroldo Lobão, responsável pelo programa da Proconsult, veio a público e assumiu a responsabilidade pelo que classificou como um “erro” no programa de computador.

O resto é história. Feita nova totalização, Brizola foi eleito e a Proconsult caiu em desgraça.

Proconsult x Urna Eletrônica

Pessoas ignorantes e antigas o bastante para se lembrarem do caso Proconsult o citam como exemplo de fraude de “urna eletrônica”. Estão erradas. A fraude usada pela Proconsult não tem nada a ver com urnas eletrônicas. Elas não haviam sido nem imaginadas ainda. E o método, na prática, é quase impossível de ser usado nas urnas eletrônicas.

Na verdade, a fraude da Proconsult tem semelhanças grandes com o “bico de pena”. A diferença era que, no bico de pena original, mesários registravam a soma que queriam; já no bico de pena da Proconsult, um programador instruiu o computador a trocar alguns votos de lugar numa proporção que ficou conhecida como “fator delta”.

De novo: as eleições de 1982 foram realizadas no estilo tradicional. Usaram-se cédulas de papel que foram contadas manualmente e registradas em atas lavradas no bico de pena. O programa usado pela Proconsult, feito sob medida pelos militares, não tem nenhum parentesco com o sistema usado nas urnas eletrônicas.

Portanto, o que aconteceu no Rio foi a aplicação de um velho truque com roupas novas: as atas forjadas. No caso, forjadas por um programa de computador cujo programador alegou ter cometido um erro de programação.

Conversa para boi dormir

Em 2014, após ser derrotado pela candidata Dilma, o candidato Aécio Neves recorreu ao TSE alegando que as urnas haviam sido fraudadas pelo PT. Era conversa para boi dormir. O PSDB não conseguiu apresentar nenhuma prova de que teria havido fraude.

Aliás, é bom lembrar: o PSDB já havia ganhado eleições majoritárias com a urna eletrônica. É o caso da eleição de FHC e também de tantos governadores, como o próprio Aécio em Minas e Geraldo Alckmin em São Paulo. Em nenhuma das vitórias eles levantaram suspeita sobre a integridade das urnas. Foi só perder e as urnas se tornaram responsáveis.

Isto é conversa de derrotado.

Agora o candidato Bolsonaro se tornou o arauto do voto impresso. Ocupando o primeiro lugar nas pesquisas entre os candidatos à presidência, Bolsonaro está em posição menos favorável no segundo turno. Pelo menos segundo as pesquisas. Talvez com medo da derrota, já está atacando a segurança das urnas eletrônicas.

De novo, conversa de pré-derrotado. Afinal, Bolsonaro e seus dois filhos eleitos e reeleitos pelas urnas eletrônicas nunca reclamaram delas. Mas agora que há sinais de que pode sobrevir uma derrota no segundo turno ele coloca as urnas sob suspeição.

Urnas eletrônicas não são perfeitas. No entanto, até hoje, foi o melhor instrumento que o Brasil já usou para eliminar as fraudes históricas. Enquanto temos provas sesquicentenárias das fraudes praticas com a votação com cédula de papel, até hoje não temos nenhuma prova de qualquer fraude praticada com as urnas eletrônicas.

Portanto, até o momento, a história está a favor das urnas eletrônicas. Não acredito que o futuro vá mudar isto de forma significativa. Se forem descobertas falhas, serão corrigidas. As urnas serão aperfeiçoadas. Se algum dia forem substituídas, será, com certeza, pelo voto pela Internet, usando computador ou celular. Na verdade, há como fazer isto já hoje. E com segurança maior ainda do que aquela proporcionada pelas urnas eletrônicas.

Nas próximas eleições muitos serão derrotados e poucos serão eleitos. Culpar as urnas eletrônicas é uma desculpa tão boa quanto outra qualquer. Mas é possível garantir que o futuro não anda para trás. Neste momento, o futuro é eletrônico. Não temos mais lugar para papel em nossas vidas.




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