Quando se prende um peixinho, ninguém levanta para a defesa de direitos humanos. Quando o preso é um peixão, não se pode algemar, nem quebrar o sigilo telefônico, pois isso invade direitos de privacidade
Por: Fernando Antônio de Lima (*)Nos EEUU, também os poderosos entraem e saem dos fóruns algemados. No Brasil, só os ladrões de galinha. |
É da Polícia Federal a coragem de atingir os inatingíveis. Quando se prende um peixinho, ninguém levanta para a defesa de direitos humanos. Quando o preso é um peixão, não se pode algemar, nem quebrar o sigilo telefônico, pois isso invade direitos de privacidade.
Argumentos para destroçar o trabalho da Polícia, há muitos. Há teses e mais teses, teorias jurídicas tecnicamente lindas, mas ocas e vazias. É possível usar a Constituição, para justificar qualquer coisa. É de Shakespeare a frase de que “o diabo pode citar as Escrituras para justificar seus fins. Uma alma perversa que apela para testemunhas sagradas é como um velhaco de risonho semblante, como uma bela maçã podre no âmago! Oh, como a falsidade pode revestir-se de belo exterior!”.
O Judiciário precisa sair da sua mansidão com os poderosos e aceitar melhor o trabalho da Polícia Federal. Não pode tolerar arranhões nos direitos fundamentais. Mas não deve compactuar com a impunidade. Investigar a corrupção exige mecanismos avançados. Não é como desvendar o furto de um toca-CDs por parte de um usuário de drogas.
Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que 82,5% da população apóiam a instituição. Entre 2003 e 2010, o efetivo aumentou mais de 50%. O resultado foi a prisão e investigação de bandidos que dançam nas rodinhas da alta corrupção, que assaltam o dinheiro público e deixam o povo morrer nas filas dos hospitais.
É preciso, portanto, que a Justiça aceite os novos meios investigatórios. Dias atrás, um tribunal anulou uma investigação, envolvendo altas personalidades da República e grandes empresários. O argumento: denúncia anônima não pode ensejar interceptação telefônica.
Questiono: alguém vai dar a cara a tapa e denunciar o crime organizado infiltrado na Administração Pública? Ninguém deseja morrer assassinado.
Temos, nós juízes, que julgar de acordo com essa realidade. O Brasil, dizia o sociólogo Florestan Fernandes, apresenta-se aos olhos de todos modernamente. Há indústrias desenvolvidas, grandes bancos. Mas ainda temos uma mentalidade herdada da escravidão, que contamina as instituições e todo o corpo social. Por aqui, os serviçais não são gente. Por aqui, o Direito Penal não pode atingir a elite. Por aqui, cadeia é para pobre. O Direito é interpretado para manter essa ordem de coisas, não obstante termos a melhor Constituição do mundo.
Já tive a felicidade de trabalhar com a Polícia Federal aqui de Jales-SP. Ela promoveu a investigação, seguindo todos os parâmetros legais. Pegou peixe grande. Foi, como sempre, acusada de abuso de poder. A polícia, para a elite, vira bandido, e o bandido, para a elite, mocinho.
Vamos ousar, Justiça, e não criar teses mirabolantes, para sufocar o trabalho dos Policiais Federais. A população cansou de ver ladrões de dinheiro público andando nas rodas da alta República.
Não podemos, juízes, aceitar investigações realizadas a qualquer preço. Os fins não justificam os meios. Não é aceitável afogar o colarinho branco na água, para que ele confesse os crimes. Mas não podemos negar os modernos métodos investigatórios, as interceptações telefônicas e quebras de sigilo bancário, não devemos fazer interpretações jurídicas que privilegiam a impunidade.
Que a Polícia Federal continue prestigiada. É ela que vem nos alertando: cadeia não é só para pobre. Constituição Federal existe e tem de ser aplicada. Privilégios, castas, relações de mandonismo – superá-los, eis a tarefa do novo Direito. Que esses ideais republicanos contaminem positivamente todas as demais instituições brasileiras e que a força do Direito esqueça os miseráveis e mova-se em direção aos grandes e influentes criminosos.
A elite quer dar um cala-boca nos românticos, que sonham com um muito mais justo. Mas os sonhadores não podem parar de lutar, sonhar, fantasiar uma terra mais fraterna, distante da corrupção e da miséria, as duas irmãs gêmeas. Afinal, a utopia e o sonho, embora distantes, é que nos movem, dizia o poeta uruguaio Eduardo Galeano: A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
Continue sonhando, Polícia Federal. O Brasil precisa caminhar.
(*) Fernando Antônio de Lima é juiz de direito do Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública e integrante do Colégio Recursal – Comarca de Jales-SP (artigo escrito no dia 4 de outubro de 2011).
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". (Ruy Barbosa)
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