Não é só em Bom Despacho que a roubalheira na prefeitura campeia. A diferença é que em outros municípios a polícia, o ministério público e a justiça têm agido com mais vigor.
Não é coincidência que todos crimes denunciados pelo Fantástico também acontece aqui: é que os mecanismos para desvio do dinheiro público valem lá como valem aqui. Os ladrões (e as ladras) aprendem uns com os outros. Apendem rápido. Quem aprende mais devagar é o povo, na hora de escolher seus representantes.
Para ler a reportagem na página do Fantástico, clique aqui. Para ler o texto aqui mesmo, no blogue do Fernando Cabral, clique na linha abaixo.
Elas são primeiras-damas de municípios brasileiros e foram acusadas de
gastar dinheiro público para compras particulares. Até uísque e ração
para cachorro elas compraram com verba da prefeitura.
Imagens inéditas mostram a prisão de Constância Félix, esta
semana. Ela tem 54 anos e é mulher de Silvio Félix, prefeito de Limeira,
a 150 quilômetros de São Paulo. O Ministério Público tem indícios de
que a primeira-dama montou empresas em nome de outras pessoas, os
chamados “laranjas”, para esconder um patrimônio milionário.
São pelo menos 61 terrenos, casas e apartamentos. O valor total,
de acordo com o Ministério Público, passa dos R$ 18 milhões. A maioria
dos imóveis fica em áreas nobres da capital paulista.
Procuramos os supostos "laranjas". A casa de Isaías Ribeiro fica
na periferia de Limeira. Uma empresa de jardinagem chamada Fênix está
no nome de Isaías e de um dos filhos do prefeito e da primeira-dama. Em
nome dessa firma, constam 12 imóveis, avaliados em R$ 7 milhões. Quem
nos atende é a mulher de Isaías, que também já foi sócia dessa empresa.
Fantástico: Ele é dono da Fênix?
Mulher: Isso. O escritório era aqui.
Fantástico: Mas aqui não é a casa dele?
Mulher: É. Minha casa, nossa casa.
Nossa equipe também foi atrás de Verônica Dutra, que é irmã da
primeira-dama. Segundo o Ministério Público, Verônica, que mora em uma
casa simples, tem em seu nome quatro imóveis, avaliados em R$ 831 mil. O
filho de Verônica não quer conversa e pede ao nosso produtor que se
retire. “Dá licença, tá? Aqui não tem nada, não”, disse o filho.
De acordo com o Ministério Público, a primeira-dama de Limeira
também usou os dois filhos, de 23 e 22 anos, para esconder o patrimônio
dela. Os promotores dizem que os rapazes têm 23 imóveis, no valor total
de R$ 6 milhões, e que a maioria dos bens foi declarada em Imposto de
Renda, mas bem abaixo do valor real.
Na quinta-feira passada (24), além da primeira-dama de Limeira, foram presos os dois filhos dela e outras nove pessoas.
“Essas pessoas, a própria primeira-dama, não possuem renda ou
patrimônio suficiente para reunir esse número considerável de bens e
imóveis”, afirmou o promotor de Justiça Enzo Carrara Boncompagni.
“Nós queremos saber por que há suspeitas de lavagem de dinheiro,
de onde está vindo esse dinheiro”, questiona o promotor de Justiça Luiz
Alberto Segalla Bevilacqua.
O prefeito de Limeira, que também apresenta um programa infantil
em uma TV local, não foi alvo da apuração que resultou nas prisões, mas
é investigado pela Procuradoria-Geral de Justiça em outros seis
processos criminais. Um deles é sobre recebimento de propina.
“Minha família trabalha há muitos anos e o que a minha família
tem, tem renda para isso. Eu vou fazer o que tiver que fazer para provar
que não existe irregularidade”, declarou o prefeito de Limeira, Silvio
Félix.
A primeira-dama de Limeira também é suspeita de receber R$ 14
mil por mês da Assembleia Legislativa de São Paulo sem aparecer no
trabalho.
O caso de Limeira não é o único. Este ano, no Brasil, pelo menos
outras nove primeiras-damas foram presas, quatro só em Alagoas. Fomos
até lá.
Limoeiro de Anadia tem 26 mil habitantes e fica no agreste
alagoano. O prefeito Marlan Ferreira e a primeira-dama, Eloísa Barbosa,
são acusados de fazer compras particulares com dinheiro desviado da
merenda. Em março, Eloísa chegou a ser presa. Agora, diante de nossa
equipe, ela chora.
A primeira-dama, de 41 anos, é secretária de Assistência Social.
Em um primeiro momento, não quer gravar entrevista, mas o marido – que
disse à equipe de reportagem do Fantástico que só anda armado - acha que
ela tem de falar.
“É melhor falar isso: que você comprava as coisas da casa
maternal”, recomenda Marlan Ferreira, prefeito de Limoeiro de Anadia.
“Eu não quero ser tachado como corrupto”, diz, depois, ao Fantástico.
Ela, então, dá entrevista e nega ter desviado dinheiro da
merenda. “Se as outras prefeituras ou as outras pessoas faziam, aqui a
gente não fazia. Minha conta pessoal tinha uma, e a prefeitura era
outra. Sempre foi assim”, comenta a primeira-dama de Limoeiro de Anadia,
Eloisa Barbosa.
Fomos a uma escola, na Zona Rural de Limoeiro de Anadia. Com 80
alunos, funciona há três meses na base do improviso, enquanto o Colégio
Coronel Adauto Barbosa é reformado. O diretor da escola, João Batista
Silva, diz que a merenda agora está chegando, mas...
Fantástico: Onde é feita a merenda?
João Batista Silva: Numa cozinha ali que a gente improvisou que é um quarto.
Fantástico: A gente percebe que não tem nenhuma pia, não tem nada.
Fomos à escola que está em reforma. Na quarta feira (16), dia
útil, não tem ninguém trabalhando na reforma da escola. A prefeitura diz
que a reforma será concluída em janeiro.
Além de Limoeiro de Anadia, a Procuradoria da República afirma
que o dinheiro da merenda também foi usado em compras particulares pelas
primeiras-damas de Traipu, Belo Monte e Lagoa da Canoa, todas em
Alagoas.
“Faltava merenda vários dias. Dois, três dias por semana”,
afirma o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza.
Em um supermercado, as primeiras-damas gastavam o dinheiro da
merenda. Compravam no supermercado e colocavam na conta. Depois, quem
pagava era a prefeitura com dinheiro federal, com dinheiro da merenda.
Em depoimento, o dono do supermercado confirmou o esquema. Ele não quis
gravar entrevista.
“Este desvio acontecia tanto nas compras pessoais como em
algumas cidades, um percentual era pago em dinheiro”, aponta o
procurador da República José Godoy Bezerra de Souza.
Fomos também a Belo Monte, a 200 quilômetros de Maceió. Quando
chegamos, parte do município de sete mil habitantes estava sem água.
“Banho no rio, prato no rio, roupa no rio. Tudo no rio”, diz a dona de
casa Maria Quitéria Balbino.
Segundo o Ministério Público Federal, Mônica Tenório, 26 anos,
primeira-dama de Belo Monte, embolsava R$ 5 mil por mês do dinheiro da
merenda. Fomos à casa dela. Deixamos vários recados, mas ela não nos
atendeu.
O Fantástico esteve também em Lagoa da Canoa, de 18 mil
habitantes. Segundo as investigações, Fabiana Lira, mulher do prefeito
Jairzinho Lira, usou o dinheiro da merenda para comprar, além de comida e
produtos de higiene pessoal, seis litros de uísque, 24 garrafas de
vinho e até ração para cachorro. É a melhor ração para cachorro e a mais
cara também.
Fabiana, 28 anos, também é a secretária de Assistência Social de
Lagoa da Canoa. Segundo uma funcionária, Fabiana só aparece uma vez por
semana e trabalha poucas horas, mas recebe R$ 1,2 mil por mês.
Fantástico: A Fabiana está por aí?
Funcionário: Está não.
Fantástico: Quais dias ela vem?
Funcionário: Geralmente, ela vem assim... Dia de segunda.
Fantástico: Que horas, geralmente?
Funcionário: 14h.
Fantástico: E que horas ela vai embora?
Funcionário: Ela vai assim umas 16h ou 17h.
Fabiana, que também foi presa em março e agora responde em
liberdade, é a dona de uma loja de roupas. Ao ver a equipe de reportagem
do Fantástico, os funcionários fecharam a porta e se esconderam.
O prefeito e a primeira-dama de Lagoa da Canoa moram em
Arapiraca. Logo que nós chegamos, todo mundo saiu correndo. Voltamos à
Secretaria de Assistência Social de Lagoa da Canoa, que estava fechada
com cadeado. A primeira-dama sumiu da cidade.
Fomos duas vezes à prefeitura. Depois de uma hora, um homem que
se diz procurador do município, falou em nome do prefeito e da
primeira-dama.
“A gente vai deixar bem claro: a gente grava com ele em qualquer
lugar do Brasil”, disse o repórter. “Ele não vai gravar”, afirmou
Francisco Ribeiro, representante do prefeito de Lagoa da Canoa.
Sobre o uso de dinheiro da merenda para comprar uísque, vinho e
ração para cachorro, o representante do prefeito de Lagoa da Canoa
respondeu: “Será provado que estes fatos não existiram e a completa
inocência deles”.
No interior de São Paulo, as investigações apontam que as
próprias primeiras-damas comandavam as falcatruas. Em Taubaté, o
prefeito Roberto Peixoto e a primeira-dama Luciana ficaram três dias
presos em junho, acusados de fraudar licitações e receber propina.
Graças a um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o casal
responde em liberdade.
Em depoimento aos promotores , uma testemunha disse que o
esquema rendeu R$ 5 milhões ao casal. “Quem comanda a coisa ali
propriamente com o prefeito é a própria esposa dele”, afirmou.
Segundo o denunciante, Luciana Peixoto, 55 anos, recebia agrados
dos empresários que queriam ganhar as concorrências. “As joias eram
presentes, mimos”, diz.
“As provas evidenciam que ela tinha uma participação efetiva no
controle das ações que visavam o desvio de recursos públicos”, aponta o
promotor de Justiça José Carlos de Oliveira Sampaio.
Procuramos Luciana Peixoto no trabalho e na casa da família.
Quem se pronunciou foi a prefeitura de Taubaté, que disse, em nota, ser
mentirosa a afirmação de que a primeira-dama recebia joias de presente e
que o casal Peixoto não cobrava propina. A prefeitura diz ainda que o
Tribunal de Contas aprovou o edital e a licitação para a compra de
merenda.
Mas, na sexta-feira passada (25), a Justiça determinou o
afastamento de Luciana Peixoto do cargo de presidente do Fundo Social de
Solidariedade de Taubaté. Segundo o Ministério Público, ela ordenou o
pagamento de despesas sem licitação. A defesa nega irregularidades.
Em Campinas, muita gente ainda se pergunta: o então prefeito
Hélio de Oliveira Santos, o Doutor Hélio, sabia o que a mulher fazia?
Rosely Nassim Santos, 66 anos, que também era chefe de gabinete, é
acusada de comandar um esquema de fraude em licitações e cobrança de
propina que teria rendido R$ 48 milhões.
“Se ela mandava no prefeito, eu não tenho como dizer. Mas todos
os relatos apontam que o braço forte, a mão firme na administração de
Campinas era a senhora Rosely, especialmente em relação a essa atividade
criminosa”, aponta o promotor de Justiça José Cláudio Tadeu Baglio.
Em um telefonema com um assessor, a então primeira-dama de Campinas xingou os promotores que a investigavam.
Rosely: Eu tenho um poço de dinheiro?
Homem: Isso.
Rosely: Não acredito. São uns imbecis.
Em agosto, Doutor Hélio, que é do PDT, foi cassado. Fomos à casa
dele e da primeira-dama. O vigia disse que não tinha autorização para
chamá-los. Em nota, o advogado do casal disse que a ex-primeira-dama não
cometeu nenhum crime, que o procedimento de investigação foi ilegal e
que as injustiças serão reparadas.
A Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo investiga se o
suposto desvio de dinheiro em Campinas ajudou a financiar a campanha de
candidatos do PDT, em 2010. Em uma planilha de contabilidade apreendida
pelo Ministério Público, constam os nomes de Rafael Silva e Constância.
Constância, dizem os promotores, é Constância Félix, a primeira-dama de
Limeira, que foi presa esta semana. Ela não se elegeu deputada estadual.
Já Rafael Silva, sim. Ele é o quarto vice-presidente da
Assembleia Legislativa de São Paulo. Em março deste ano, Constância
Félix assumiu o cargo de chefe de gabinete da quarta vice-presidência. O
salário é de mais de R$ 14 mil. Fomos dois dias à Assembleia antes da
prisão de constância. Foi difícil encontrar alguém que a conhecesse.
Fantástico: Você sabe onde ela fica?
Funcionária: Nem eu, nem eu, viu.
No gabinete, onde funciona a quarta vice-presidência, uma
funcionária diz que Constância não está. “Não tem um dia certo, porque o
trabalho dela não é fixo”, contou.
Durante uma semana, ligamos na Assembleia e não encontramos a
primeira-dama. “A gente não conhece ninguém com esse nome na presidência
nem na vice-presidência”, disse um funcionário.
O deputado Rafael Silva, chefe de Constância, diz que ela não é
funcionária fantasma. “Ela não ficava direto no meu gabinete. Ela estava
lá a serviço do partido e a serviço de todos os deputados nossos da
bancada”, afirmou o deputado estadual Rafael Silva, quarto
vice-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.
O deputado também negou ter recebido dinheiro ilegal para a
campanha e disse que exonerou a primeira-dama de Limeira assim que ela
foi presa e que já tinha tentado demiti-la antes.
“No dia 25 de maio, eu tive uma conversa com os outros deputados
que me autorizaram a fazer isso. É porque eu falei: não é aceitável a
esposa de um prefeito estar aqui com a gente. E eles concordaram. Um
deles falou até: passa a régua. E eu a exonerei. Depois houve uma
pressão do partido e eu fui obrigado a aceitar de volta”, contou afirmou
o deputado estadual Rafael Silva.
O deputado não quis dar os nomes de quem o teria pressionado. O
diretório do PDT em São Paulo e o presidente estadual do partido, o
deputado federal Paulo Pereira da Silva, não quiseram se pronunciar.
Não existe previsão de quando será o julgamento das
primeiras-damas mostradas nessa reportagem. O juiz Nelson Augusto
Bernardes, que foi o primeiro a atuar no caso envolvendo a primeira-dama
de Campinas, diz que o Poder Judiciário tem a obrigação de agir com
rapidez e seriedade.
“A corrupção no poder público no Brasil é uma questão
profundamente preocupante. É necessário que se enxergue esse problema
com seriedade para que se possa fazer um combate sério e eficaz da
corrupção”, afirma Nelson Augusto Bernardes.
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