"O trabalho de um magistrado não pode ser mais pesado do que, digamos, o médico operando no pronto-socorro, o policial trocando tiros com os bandidos, o operário moldando peças no torno ou o boia fria colhendo cana".
Todo mundo sabe o que é auxílio-moradia. O empregado trabalha numa cidade e o empregador o transfere para outra. Para fazer a mudança, cobrir gastos com hotel enquanto arruma a casa nova e para transferir a família, o empregador paga o auxílio-moradia.
Paga também quando o
funcionário vai trabalhar por um tempo determinado na outra praça,
circunstância em que fica, digamos, morando em dois lugares.
Com
base nessa ideia geral, os deputados federais incorporaram um
auxílio-moradia a seus vencimentos. Parece fazer sentido: os deputados
não moram em Brasília, apenas passam lá alguns dias da semana. E o
mandato é provisório, tem de ser renovado, ou não, a cada quatro anos.
Assim,
o Congresso, ou seja, o contribuinte, paga um auxílio por esses dias
que o parlamentar passa em Brasília no exercício do mandato.
Tudo
certo? Mais ou menos. Ninguém é obrigado a ser deputado. A pessoa se
candidata porque quer, oferece-se aos eleitores. É diferente do
empregado que é transferido pelo patrão.
Na verdade, os
parlamentares inventaram esse auxílio como uma maneira de aumentar seus
vencimentos mensais sem parecer que estão fazendo isso. Um drible na lei
e no bom senso, mas, ainda assim, têm o argumento de que gastam mesmo
com moradia transitória, apresentam recibos de hotel e tal.
Vai
daí que os juízes, representados por suas associações, perceberam no
expediente uma maneira de também aumentar os ganhos mensais. Diz a Constituição que parlamentares e ministros do STF devem ter vencimentos equiparados. Ora, os parlamentares não têm o auxílio-moradia?
Resultado:
os tribunais, primeiro, deram o auxílio-moradia aos ministros do STF.
Faz menos sentido do que no caso dos parlamentares. Os ministros do
Supremo devem morar em Brasília, de modo que deveriam ter um auxílio
apenas no momento da mudança, quando são nomeados para o cargo. Seria
uma verba específica, contra recibos específicos.
Mas, de novo,
vá lá. Aos 70 anos eles se aposentam, voltam para suas cidades, de modo
que se pode considerar a passagem por Brasília provisória, ainda que por
muitos anos. É uma interpretação forçada, mas enfim...
Porém a
coisa avançou. Como os vencimentos de juízes dos escalões inferiores são
uma parcela daqueles recebidos pelos colegas do Supremo, deu a lógica, a
lógica deles, claro: toda a magistratura ganhou o direito de receber o
auxílio moradia esse valor não contando como salário e, portanto,
podendo furar o teto.
Não importa se o magistrado é transferido
ou não, se está de passagem, se mora ali mesmo ele recebe o auxílio para
sempre, ou seja, não é mais uma verba especial, mas um vencimento
mensal. E mais: aplicaram retroativo. Acrescente aí a correção
monetária, etc., e juntou-se um bom dinheiro a receber.
Tudo absolutamente normal, diz o presidente do Tribunal de Justiça de SãoPaulo, desembargador Ivan Sartori.
Normal?
Imagine,
caro leitor, que os parlamentares tivessem criado um
auxílio-misto-quente, para pagar lanches quando se deslocassem pelos
seus Estados para falar com os eleitores. Faria sentido estender essa
verba aos magistrados?
Na verdade, toda essa discussão não faz
sentido. O ponto é outro. Os magistrados acham que não são remunerados à
altura do seu trabalho. O desembargador Sartori disse, em entrevista à
revista Veja, edição 2.255, que R$ 24 mil mensais é inferior às
necessidades de um juiz do Tribunal Superior do Estado.
Essa é
uma boa discussão quanto deve ganhar um juiz no Brasil? e a categoria
deveria mesmo abrir publicamente o debate. Mas, em vez disso, o que se
viu nos últimos anos? Uma atitude corporativa que inventa quebra-galhos,
como esse do auxílio-moradia, para aumentar os vencimentos fazendo
parecer que não se trata de aumento nem de vencimento. Tanto que, como
admite Sartori, os juízes recebiam os atrasados sem que isso constasse
nos holerites.
Segundo ele, deve ter sido um equívoco
administrativo, mas foi necessário criar o Conselho Nacional de Justiça
para que esses equívocos começassem a ser apurados. Já para Sartori, o
problema apareceu quando a imprensa começou a bater nos juízes,com essa
história de que o Poder é uma caixa-preta. Ocorre, porém, que foi só a
partir daí que o público ficou sabendo dessas e de outras situações.
De todo modo, o desembargador Sartori tem uma boa atitude. Veio a público para o debate. Comecemos, pois.
Diz
ele que o alto executivo de uma empresa ou o presidente da Petrobrás
ganham muito mais que os R$ 24 mil de um magistrado estadual. Verdade.
Mas ambos são demissíveis a qualquer momento. Os acionistas
controladores nem precisam explicar. Lembram- se do caso Roger Agnelli?
Ou de José Gabrielli?
Juízes só perdem o cargo se fizerem coisas muito erradas, na frente de muita gente. E são aposentados com vencimentos.
Além
disso, não são R$ 24 mil. É preciso acrescentar os auxílios e outras
vantagens, como os dois meses de férias. É curioso aqui. Sartori defende
os dois meses dizendo que o trabalho do juiz é desgastante e que vários
colegas têm problemas psicológicos. Logo, precisam descansar 60 dias, e
não 30 como os demais trabalhadores.
Ganha uma vaga de juiz, sem
concurso, quem apontar o trabalho de um brasileiro comum que não seja
desgastante e estressante. E vamos falar francamente: o trabalho de um
juiz não pode ser mais pesado do que, digamos, o médico operando no
pronto-socorro, o policial trocando tiros com os bandidos, o operário
moldando peças no torno ou o boia fria colhendo cana.
Além disso,
o próprio Sartori comenta, em outro trecho da entrevista, que poucos
juízes tiram os dois meses de férias. A maioria vende um período, de
modo que se trata de um salário extra. A maioria também vende a licença
prêmio (três meses a cada cinco anos), outra providência que engorda os
vencimentos. Com isso, os juízes ficam como os demais trabalhadores, um
mês de férias, mas ganhando um extra. E ninguém tem mais feriados do que
os 35 dias/ano dos juízes.
Voltaremos ao debate, mas deixo desde
já um outro ponto. Não se trata apenas de saber quanto um juiz merece
ganhar, mas também de quanto o Estado pode pagar.
sardenberg@cbn.com.br www.sardenberg.com.br
4 comentários:
Nosso Juiz de Bom Despacho não merece nem receber. O cidadão necessita de um representante da Lei que o proteja e garanta seus direitos constitucionais , e não de uma pessoa que usa seu cargo para garantir privilégios e mazelas para si e para seus familiares. Uma vergonha escancarada!!!
Tá acontecendo isso aqui em Bom Despacho ??? Sabia não...
acho que o salario de um magistrado é muito alto mesmo. mas vejamos qué não é qualquer um que é juiz não. é dificil demais , e tem que ser muito competente para passar em todas as etapas,é um cargo super importante e ao mesmo tempo perigoso. lembramos tambem que um magistrado quase não tem as mesmas liberdades que um cidadão comum, sua vida particular e social é uma ...... não quero ser juiz de jeito nenhum. mas voltando ao assunto, seus salarios,, digo suas remunerações são altissimas, acho que não deveria ser nem a metade de seus ganhos.
Pergutem aos tratores do Prefeito , que trabalharam pacas na fazenda do Juiz...
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